Lula é um ladrão, defendido pelo que há de pior na política e na mídia, diz jurista

Dotti diz que Moro não cometeu crime e não poderá ser acusado

José Nêumanne
Estadão

O advogado René Ariel Dotti, que representou a Petrobrás na ação contra Lula no caso do triplex do Guarujá, critica os ataques ao ministro Sérgio Moro e diz que “é impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, que se consideram juízes paralelos da mídia”. Não vê solidez nas acusações a Moro e diz que tentam desconhecer que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Conhecido pelo destemor na defesa de presos políticos à época da ditadura militar, o jurista paranaense citou: “No excelente e corajoso livro ‘A Corrupção da Inteligência’, Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.”

O senhor atuou como advogado auxiliar da acusação nos processos da Lava Jato e, numa sessão de interrogatório do principal réu da ação do triplex do Guarujá, que, segundo o Ministério Público, pertence a Lula, viu-se obrigado a chamar a atenção do chefe da equipe da defesa do ex-presidente petista, advogado Cristiano Zanin Rodrigues, pela forma desrespeitosa como se dirigia ao juiz Sergio Moro, que comandava o interrogatório. O que o levou a tomar essa atitude? 
Advogo na especialidade criminal desde 1958 (ano de minha graduação em Direito). Nunca antes tive necessidade de interpelar colegas, a exemplo do que ocorreu com o dr. Cristiano Zanin, O interrogatório do ex-presidente tomou cinco horas,  mais ou menos. Eu somente repreendi o colega após ver e ouvir, durante mais ou menos duas horas, um tipo de comportamento agressivo para com o juiz. Houve momentos em que o curso da pergunta do magistrado era interrompido pelo advogado, que, sem requerer o uso da palavra, procurava “justificar” a intervenção, até mesmo desqualificando a pergunta feita ao acusado. A legislação manda que o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe da advocacia.

É verdade que no intervalo do mesmo interrogatório o senhor foi abordado por outro advogado da defesa do réu, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, José Roberto Batochio, que estranhou o fato de o senhor ter mudado de lado, pois ele fora seu admirador à época em que ganhou fama por ser um corajoso advogado de presos políticos perseguidos pela ditadura militar? O senhor sente-se à vontade para contar as circunstâncias desse episódio?

Há muito tempo eu respeito e admiro o colega Batochio. Realmente, após encerrado o interrogatório (Batochio e eu estávamos sentados frente a frente), ele disse mais ou menos o seguinte: “René, você deveria, estar do outro lado”. E eu falei: “Continuo do mesmo lado, da defesa. E lembro que o ministro Evandro Lins e Silva, atuando como assistente do Ministério Público no processo contra o então presidente Collor de Mello, respondeu a pergunta da mesma natureza, afirmando: ‘Agora em defesa da sociedade’. E eu estou fazendo o mesmo: defesa da sociedade”. Nesse preciso momento a esposa do dr. Cristiano,  que estava ao  meu lado na mesa de trabalho, perguntou, de modo crítico: “E quem lhe deu esses poderes?”. Eu respondi, delicadamente: “A minha condição de cidadão!”.

Ao argumentar que, ao contrário do que disse o citado Batochio, o senhor quis lembrar ao advogado de Lula que a Petrobrás é patrimônio do povo brasileiro e, portanto, é de interesse público condenar quem a dilapidou a ponto de quase levá-la à falência?
Na quarta edição de meu livro “Casos Criminais Célebres”, que estou preparando, já redigi um capítulo novo: O atentado contra Carlos Lacerda e o suicídio do presidente Vargas.  Destaco, com detalhes, a luta épica de Monteiro Lobato (O escândalo do petróleo e do ferro) e o mantra “o petróleo é nosso”. Minha felicidade foi ter a oportunidade de atuar a favor da criação da Petrobrás. Afinal, os trustes daquele tempo contra a nossa riqueza natural são os corruptos de hoje no maior crime cometido contra o patrimônio de uma empresa brasileira.

Aliás, aproveitando a lembrança desse episódio, o senhor acha que Luiz Inácio Lula da Silva é um preso político ou não passa de um político preso, expressão tornada pública pelo jornalista Reinaldo Azevedo?
No tempo dos anos de chumbo eu lutei pela liberdade de muitos presos políticos: sindicalistas, jornalistas, parlamentares (deputado Walter Pécoits, por exemplo), bancários ou ameaçados de prisão, como o ex-ministro do Trabalho  Amaury de Oliveira e Silva, que estava exilado em Montevidéu. Achoe que o ex-presidente Lula é, sem dúvida, um político preso.  Mas um preso em condição especial de comodidades materiais em sala especialmente preparada e com as oportunidades de planejar estratégias políticas, como inventar um post, receber visitas especiais de políticos de destaque, dar entrevista a jornalistas nacionais e estrangeiros etc. O tempora, o mores!

O ministro Sergio Moro insiste que, em nenhum momento das mensagens que lhe são atribuídas, ele feriu a ética, a postura e a imparcialidade requeridas de um magistrado pela lei e pela sociedade. Na condição de quem acompanhou os depoimentos e o julgamento da ação contra Lula, o senhor se disporia a defender o juiz Moro em qualquer instância do Judiciário ou em eventuais investigações que possam ser instauradas no âmbito do Poder Legislativo?
Sim, com toda a certeza. Já o fiz no dia seguinte àquela deliberação da comunicação telefônica da ex-presidente Dilma avisando a Lula da Silva que o “Bessias” ia levar um papel para ele assinar… Nos termos da Constituição, “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. É impressionante a onda de apóstolos da ética judiciária e de jornalistas excitados, que se consideram juízes paralelos da mídia. Será que os senhores da imprensa, assanhados parar gerar escândalo, não conhecem a lição de Ruy Barbosa ao definir a imprensa como “a vista da Nação”…? Será que os profetas do caos não sabem que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Será que o ministro Celso de Mello – a quem rendo preito de respeito e admiração – precisava desculpar-se, assumindo posição oracular que deixou o povão em dúvida ao afirmar que não estava julgando “o mérito” do o caso (na verdade, o ocaso) do maior estelionatário e comandante da rapina contra o patrimônio público em toda a nossa História? Será que o STF vai afrontar a regra elementar que consta da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e determina: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum?”.

Como advogado experiente e professor de Direito respeitado, o senhor já participou, testemunhou ou ouviu falar de julgamento de qualquer gênero em que, como ocorre neste momento no Brasil, o juiz que se tornou herói popular pela forma corajosa como chefiou a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção da História seja interrogado, algumas vezes com requintes de humilhação, por quem é suspeito, acusado, denunciado e processado por ele mesmo e por outros agentes da lei?
No teatro do absurdo, surgido após a Segunda Guerra Mundial e que apresenta a condição humana “sob a atmosfera de uma angústia metafísica”, o texto é absurdo, o diretor é absurdo, o cenário também, idem quanto às personagens. Só não é absurdo o espectador lúcido que, da plateia, assiste a um espetáculo que se renova de tempos em tempos pelo chamado sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. É tão secreto que pouco tempo depois da eleição o eleitor não se lembra em quem votou na colmeia de vereadores, deputados e senadores.

O senhor concorda ou discorda do ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro quando ele afirma que a divulgação de mensagens cuja autenticidade ainda depende de comprovação não passa de uma ação orquestrada para desmoralizar a autoridade judicial e inocentar à força quem foi condenado em três instâncias com provas dos crimes cometidos levadas a juízo?

No excelente e corajoso livro A Corrupção da Inteligência Flávio Gordon demonstra, à evidência, como o PT se organizou, se preparou e dominou o Estado, manipulou mídias, anarquizou as fontes de criação das universidades, produziu uma novilíngua de comunicação, desqualificou a crítica honesta atacando o crítico, e não a verdade que ele defende; exercitou o terror.  A orquestração é muito afinada e tem diversas partituras conforme o gênero de música: do clássico ao popular. Ou de dança: do ballet ao forró.

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