Opinião:”Carnaval pra quem?”

(*)Aline Midlej é apresentadora do Jornal das Dez, na GloboNews

Começo falando que eu adoro Carnaval, e esse não é o texto contra esse desejo (legítimo) de muitos. A coluna de hoje é sobre o novo choque de realidade que vem junto com a chegada dessa nova variante. Foi como um lançamento coletivo pra uma realidade que, depois de quase dois anos de Pandemia, a gente estava preferindo achar que não existia mais. Mas eis que ela reaparece com o nome Omicron, e de uma região do país historicamente negligenciada por uma comunidade internacional que brinca de se importar.

Só com a notícia da nova variante, também chegou pra muitos a informação de que, até hoje, na África do Sul, há toque de recolher para a população em função da Pandemia. Na linda e turística Cidade do Cabo, quando o relógio bate meia-noite, todos precisam estar recolhidos dentro de casa. No país mais rico do continente está o maior percentual de vacinados da África: apenas 28% da população está imunizada. Entre os profissionais de saúde, três em cada quatro trabalham sem a proteção vacinal.

O diretor-geral da OMS, há poucas semanas, foi muito claro: “a Pandemia terminará quando todo mundo decidir. Na ocasião, Tedros Adhanom também lembrou que havia cerca de 50 mil mortos toda semana, e que a crise estava longe de acabar. Mas quem quer ouvir, se já dá pra falar de Carnaval no Rio, Natal na Times Square, e programar, finalmente, aquela viagem para o exterior?

Aí esse vírus danado, que não respeita limites, divisas e fronteiras, nos impõe aquele ensinamento, de novo: se não está bom pra todo mundo, não pode estar bom pra ninguém. Só com o mundo todo protegido, estaremos todos protegidos. Tem vacina sobrando em estoques de países ricos, que adormeceram nesta sexta amargando perdas recordes no mercado financeiro. A bolsa de valores de São Paulo teve a maior queda em dois meses em função do abalo da descoberta da presença da variante sul-africana em nações europeias. Até então, estava tudo bem. Tudo bem, pra quem?

“O mundo deve fornecer apoio à África do Sul e à África, e não discriminá-los ou isolá-los. Ao protegê-los e apoiá-los, protegemos o mundo. Esse é um apelo aos bilionários e instituições financeiras”, disseTulo de Oliveira, um cientista brasileiro ajuda a rastrear nova variante da covid-19 em território sul-africano. Um apelo que vem sendo feito há meses, por um maior acesso à vacinação nos países em desenvolvimento. Às vezes sinto que merecemos esse vírus, que não aprendemos nada, com tantas perdas. Desejo estar errada.

Retorno àquela mesma coletiva do diretor da OMS, quando Tedros Adhanom reafirmou que acabar com a Pandemia “está em nossas mãos”, que dispomos de “todas as ferramentas” de que precisamos para isso, o que passa por insistir em uma distribuição mais equilibrada em todo o mundo das vacinas contra a covid-19.

Os donos de poder financeiro e intelectual precisam traduzir declarações em fatos, ideias em ações. E nós, sociedades, vacinadas e protegidas, temos o dever moral de nos manter interessados, conectados com essa tragédia humanitária que ainda testa nossa capacidade de sentir pelo outro. Continuar se cuidando é uma obrigação ética. Ah, importante lembrar: o Omicron já pode estar entre nós.

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