A segunda morte de Marielle Franco ocorre na difusão de notícias falsas

                              Ilustração de Márcia Foletto (O Globo)
Bernardo Mello Franco
O Globo

 

Marielle Franco morreu pela primeira vez na noite de quarta-feira, baleada por criminosos que desejavam silenciá-la. Voltou a morrer na manhã seguinte, alvejada pela metralhadora de acusações falsas da internet. A vereadora se tornou a nova vítima dos assassinatos de reputação. No seu caso, o crime tem duas agravantes. Ela não pode se defender das calúnias, e o bombardeio ganhou o reforço de autoridades do Judiciário e do Congresso.
A desembargadora Marília de Castro Neves, do Tribunal de Justiça do Rio, foi rápida na sentença. Antes de a polícia encontrar os responsáveis pela emboscada, ela escreveu que Marielle “estava engajada com bandidos” e “foi eleita pelo Comando Vermelho”. Pega na mentira, a magistrada alegou, sem pedir desculpas, que repassou “de forma precipitada notícias que circulavam nas redes sociais”. Quem visitou seu perfil encontrou um festival de outras postagens de tom ofensivo.
MAIS OFENSAS – O deputado Alberto Fraga, do DEM, também disparou contra a memória da vereadora. Afirmou que ela “engravidou aos 16 anos”, foi “esposa do Marcinho MP” e seria “usuária de maconha”.
Líder da bancada da bala, Fraga é daqueles parlamentares que não resistem a um Google. Foi condenado por porte ilegal de armas, é réu em mais duas ações penais e foi gravado reclamando da divisão de propina no governo de Brasília. Ontem ele disse que divulgou as acusações sem checar se eram reais.
Desqualificar a vítima é uma tática antiga para esvaziar a indignação com um crime. No caso de Marielle, isso também serve para minar causas que ela representava, como a defesa das minorias e a denúncia da violência policial.
HUMANIDADE – Ninguém precisa simpatizar com as ideias da vereadora para reprovar os ataques à memória dela. É uma questão de humanidade, não de afinidade. Ainda não existe lei contra a propagação de notícias falsas na internet, mas o Código Penal já enquadra quem pratica crimes de calúnia, injúria ou difamação.
Nos casos da desembargadora e do deputado, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho de Ética da Câmara também precisam agir para que o linchamento virtual não fique impune.

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