Por Felipe Magalhães Francisco*
É carnaval! Tempo de devassidão, promiscuidade, luxúria e toda sorte de pecados da carne. É assim que pensam as pessoas mais apegadas a certas estruturas de compreensão da moral e dos costumes. Os exageros existem, como em tudo onde haja pessoa humana envolvida. Mas é preciso considerar outros aspectos, tais como o da alegria; do entusiasmo; da leveza; do grito pela liberdade de ser, fora da pressão social que é constante e, por vezes, opressora.
No juízo exacerbado feito contra quem se diverte e se compraz no carnaval, parece existir uma certa vontade de experimentar um divertimento de tamanha expressividade. Não só no carnaval, vale dizer. Aquilo que “no mundo” é muito criticado por religiosos hiperapegados à moral e aos costumes, acaba recebendo uma roupagem religiosa, para se tornar apto ao público religioso. É o caso do surgimento dos chamados barzinhos cristãos, cristotecas, carnaval com Jesus, etc.
A alegria presente “no mundo” é atrativa, sobretudo porque é livre, não segue os mil e um regramentos tão caros às religiões que cederam ao controle. Para não perder os jovens, esses grupos religiosos acabam por “batizar” alguns dos costumes, e trazendo-os para dentro do círculo religioso. Tola ilusão de santidade. Para viver a santidade, é preciso tocar o chão do mundo, pois é nele o lugar da vida. Alienar-se do mundo, para manter certa concepção de pureza e santidade, mas viver desejoso de viver o que no mundo se vive, só revela o sofrimento de uma vida sempre irrealizável e fincada no desejo castrado.
Faz-se necessário superar a compreensão de que quem com porcos anda, farelo come, no que diz respeito às questões religiosas, tratando-se de fé cristã. Um dos constantes enfrentamentos de Jesus com a religião instituída de seu tempo, era justamente o rigorismo de pureza que afastava os religiosos do chão da vida. Impuro não é que o entra pela boca do ser humano, mas o que sai, se o coração está cheio de impureza (Mt 15,11). Agiu conforme a vontade de Deus, o samaritano, infiel às regras da religião instituída, ao tocar as feridas do que fora agredido, e não o sacerdote e o levita, legítimos representantes dos costumes religiosos (Lc 10,25-37).
Estar no mundo, com os pés tocando com firmeza o chão, dando o testemunho da esperança no Reino: eis o significado do que seja a santidade cristã. Não criar ilusões de que precisamos nos proteger do mundo, como se fosse um grande vilão a nos espreitar, mas compreendê-lo como seara do testemunho da fé, da esperança e da alegria. Se o desejo é festejar o carnaval, com seus confetes e purpurinas, é com a convicção da fé que devemos ir, não nos excluindo da convivência com os que não comungam a mesma fé, mas irmanando-nos e sendo sinal de, que na fé, também vivemos a alegria e o entusiasmo; que também nós, pessoas que se dedicam ao seguimento de Jesus, somos capazes de gritar pela liberdade de ser quem somos. Insistir no farisaísmo, é nos esquecer do alerta de Jesus: “As prostitutas vos precederão no Reino dos Céus” (Mt 21,31).
É carnaval! Tempo de alegria, de subversão da ordem estabelecida, de alívio das dores e tormentas do cotidiano, de questionamento das estruturas de injustiça e opressão. Façamos carnaval!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com