Cambota e Fogoió, os dois meninos.

 

 

Eles foram o terror do bairro onde moravam quando crianças e já engrossando o talo da pinta continuaram dando trabalho a todo mundo e vergonha aos pais. Nessa época de São João, naquele tempo, eles se danavam a correr numa venda pra comprar toda sorte de fogos, desde os inocentes peidos de velha às terríveis e poderosas bombas de quinhentos, capazes de levantar por mais de vinte metros uma lata de querosene.

Cambota foi criado cheio de vontades pelo pai porque nem a mãe aguentou as peraltices dele. Filho único de um quitandeiro, se esteve algum dia à escola foi somente pra bater nos outros e no segundo dia de aula ser expulso. O pai achava de dizer que ninguém precisava estudar pra ganhar dinheiro. Ele mesmo tinha tudo e nunca passou um dia sequer sentado em banco de escola. Tinha dinheiro na burra e muitos burros lhe obedecendo.

O menino se criou sozinho feito bicho bruto, batendo e apanhando na rua e quando era contrariado se armava de um caco de vidro e corria a rua pra tomar satisfações com o desafeto. Nesse período de festas juninas ia ele direto na gaveta da quitanda, tirava o apurado e ia até a esquina comprar traques e bombas. Negócio dele era bomba, daquelas mais potentes e que incomodavam a vizinhança. Noite toda.

Era um menino feio, baixo, gordo, cambota, cabelo raspado, calção imundo, fedendo a pena de galinha molhada. Mesmo tendo todos esses defeitos não era desrespeitoso com os mais velhos. Algum adulto ralhasse com ele, metia o rabo entre as pernas e procurava o caminho de casa.

Agora Fogoió. Fogoió Azedo como outros e muitos o chamavam pelas costas. Galalau. Também foi um menino criado por uma mãe e um pai que faziam tudo aquilo que ele queria. Os vizinhos, quando ele era ainda criança, passaram poucas e boas com as travessuras dele. Assim como Cambota, nessa época de São João, transformava a vida do bairro onde morava num inferno.

Toda a cidade temia pelo que poderia acontecer quando aqueles dois maus elementos um dia se encontrassem. Aí o diabo iria sair da garrafa por cima ou por baixo. E este dia aconteceu num dia de junho. Colocaram o mundo de cabeça pra baixo e tocaram fogo. Amarraram traques em rabo de cachorros, soltaram bombas debaixo de latas e dentro de garrafas e explodiram até o muro da igreja. Coisa pouca pra eles.

Este Fogoió Azedo, nunca foi cria de gente. Criado sim à imagem e semelhança do cão. Quando adulto se transformou num grande negociante, cheio de enrolada, venda de tudo em quanto achasse pela frente. Vendia e trocava de tudo, desde geladeira velha, bateria de carros, pneus, móveis antigos, moedas, terrenos, material de construção, vergalhão, madeira e se bestasse, até arma de fogo, tudo. Esta semana passada eu vi dois sujeitos parecidos se cumprimentando na televisão, Trump e Kin-Jong Un. Meteu medo. * Pádua Marques, jornalista, escritor, membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba. 

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