FHC ironiza Lula: “Não sei, não vi, não me comprometo”

Como costuma fazer todo primeiro domingo do mês, Fernando Henrique Cardoso levou às páginas um novo artigo. “Melancolia e revolta”, eis o título. Sem mencionar-lhes os nomes, FHC levantou dúvidas sobre a capacidade gerencial de Dilma Rousseff e ironizou Lula. “Não sou propenso a queixas nem a desânimos. Entretanto, ao pensar sobre o que dizer nesta crônica senti certa melancolia”, anotou na abertura.
FHC escorou sua acidez em pontos de interrogação distribuídos em trechos estratégicos do texto. “Escrever outra vez sobre o mensalão e sobre o papel seminal do STF? Já tudo se sabe e foi dito. Entrar no novo escândalo, o do gabinete da Presidência em São Paulo? Não faz meu estilo, não tenho gosto por garimpar malfeitos e jogar mais pedras em quem, nesta matéria, já se desmoralizou bastante.”
No miolo, o texto recua ao período histórico que foi do fim dos anos 70 a meados da década de 80. Nessa época, o líder sindical que desafiava a ditadura nas assembléias do ABC encantou o professor da USP. Antes de fundar o PT, Lula levou às portas de fábrica um FHC candidato ao Senado. O operário distribuiu panfletos e pediu votos para o catedrático.

Hoje um feroz opositor do ex-cabo-eleitoral, FHC declara-se chocado. “Clamávamos também contra indícios de corrupção. Não poderíamos imaginar que depois das greves de São Bernardo e das Diretas Já, as mesmas distorções seriam praticadas por alguns que então as combatiam. Criticava-se tanto o nepotismo e o compadrio, a falta de profissionalismo na administração e de transparência nas decisões […]. As proezas de cinismo e leniência praticadas por alguns dos personagens que apareciam como heróis-salvadores são chocantes.”
Com uma ponta de ironia, FHC evocou o bordão do “eu não sabia”, que persegue Lula desde 2005, ano em que o mensalão virou escândalo. “Dá lástima ver hoje uns e outros confundidos na corte de dúbios personagens que alegam nada saber dos malfeitos.”
FHC atribui parte de sua “melancolia e revolta” à prostração do Legislativo e dos partidos políticos. A despeito do alegado desânimo, FHC afirmou no artigo que “é preciso bradar e mostrar indignação e revolta, ainda que pouco se consiga de prático.” Apoiou-se no brocardo: “Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe. Chegará o momento, como chegou nos anos 1980, em que, com toda a aparência de poder, o sistema fará água.”

Nas palavras de FHC, “há espaço para novas pregações”.  Ele próprio se pergunta: “Novas ilusões?” E responde: “Quem sabe. Mas sem elas, é a rotina do já visto, das malfeitorias e dos ‘não sei, não vi, não me comprometo”.   (Do blog de Josias de Souza)

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