Lei assassina

O Piauí foi surpreendido no início da semana que passou com a denúncia do Ministério Público Federal de que o governo do estado só aplicou 8% do orçamento em saúde, quando a lei  –  expressa na emenda 29 – estabelece que o mínimo de gastos nessa rubrica é de 12%. No final da semana, outra denúncia – esta da Folha de São Paulo – jogou um pouco de luz sobre a fantamasgórica investigação da Polícia Federal na Assembléia Legislativa. Segundo o jornal paulista, que conseguiu o que nenhum órgão de imprensa do Piauí chegou perto – ir além da informação de que a investigação corre em segredo de justiça – teriam sido desviados R$ 150 milhões do legislativo estadual, através de licitações fraudulentas, uso de notas fiscais frias para justificar gastos com a verba de gabinete e contratação de servidores fantasmas para fraudar a folha de pagamentos.
          Na Difusora, o Paulo Araújo sempre pergunta: qual a leitura que você faz disso e daquilo? Pois a leitura que eu faço da primeira denúncia é que nunca antes na história desse estado tivemos um governante tão sacana como o anterior. Sacana no sentido de fazer sacanagem mesmo. Essa questão da saúde não me surpreendeu em absoluto, porque nada que vem do governo Wellington Dias é capaz de me surpreender. Agora, o dolo é que é de lascar. Não, ele não ficou satisfeito só com isso. Prá justificar as mortes por falta de atendimento, a espera de meses por uma consulta, o sofrimento de quem precisava de uma cirurgia e era informado de que em quatro, cinco, seis meses poderia fazer, foi buscar parceria onde? Na Assembléia, recheada de médicos, todos preocupados com a saúde.
          A aprovação da lei complementar 80, a mais imoral, indecente e letal de todas que a Assembléia aprovou ao longo de séculos, que contou com o entusiasmado – e bota entusiasmado nisso – apoio dos médicos e outros profissionais da área da saúde que detinham mandato na Assembléia e com a absurda omissão das entidades médicas e dos sindicatos que representam trabalhadores da saúde, foi apenas o grande final, o resumo de uma política pensada para enriquecer ladrões do colarinho branco, enquanto o povo penava em ambulâncias. Essa lei colocou até os camarões que o então governador comia como investimento em saúde.
          Pois bem. Os cerca de R$ 1 bilhão – não se espante não, é isso mesmo – que o governo deixou de investir em saúde nos últimos anos, tiveram boa serventia. Serviram para garantir as Hilux de um monte de gente que passou a usar por conta dos doentes. Afinal, essa gente, que tanto lutou para chegar ao poder, precisava de um mínimo de conforto  durante os oito anos luminosos. Tudo na vida tem seu lado bom e mau. Imagine a cena. Alguém quebra um braço lá em Júlio Borges, quase 1.000 quilômetros ao sul de Teresina, pertinho de Curimatá. Terra onde o presidente da Assembléia – que é de Esperantina, 180 quilômetros ao norte da capital- é o homem forte. Pois bem, o único remédio era colocá-lo em uma ambulância e transportá-lo para Teresina, para ajudar a entupir o pronto-socorro. Enquanto o cidadão e o motorista da ambulância sofriam para chegar na capital, tendo que percorrer a mimosa Transpiauí, principalmente naquele belo trecho entre Canto do Buriti e Floriano, cruzava com dezenas de Hilux com a memorável inscrição: “É feliz quem vive aqui”. Hilux essa que transportava algum felizardo portador de uma condição especial de trabalho. Condição especial essa que daria para comprar o gesso e pagar o técnico para engessar o braço do homem lá mesmo em Júlio Borges. Mas o desgraçado com o braço quebrado, em que pese a dor física e o desconforto da longa e tormentosa viagem, depois de ver o tal braço engessando, o que faz? Agradece a Deus, ao prefeito e ao deputado Temista,  o maior puxa-saco de governante que o Piauí já viu, que conduziu com graça e brilho a votação da tal lei complementar 80, a lei do assassinato, que criou a pena de morte no Piauí. Embora a Constituição federal proíba.
          Interessante é que o procurador Leonardo Cavalcante se baseou em relatório do Denasus – Departamento Nacional de Auditoria do SUS – para denunciar o governo do Piauí por não aplicar os 12% na saúde. São 197 milhões a menos só em 2006 e 2007. E, acredite. Com relatório do Denasus e tudo, o Tribunal de Contas do Estado aprovou as contas do governo. E veja que o Denasus e nem o procurador federal se ativeram na rubrica de roubos e furtos. Não investigaram a corrupção, o desvio, o superfaturamento na saúde. Isso aí foi objeto de outra auditoria. Por baixo, a roubalheira levou pelo menos outros 20% dos 8% que o Piauí efetivamente investiu em saúde. E o TCE, aquele órgão que olha com lupa as contas dos prefeitos, que bloqueia contas das prefeituras porque não recebe balancete, que pede cassação de prefeito que não paga água e luz em dia não conseguiu enxergar defeito nenhum. Isso, apesar de na época da aprovação da lei assassina, ter comunicado que não a levaria em consideração na análise das contas. E se tivesse levado, hem? Sábado passado, tive a informação de que as contas da saúde de 2008 estão pendentes no tribunal. E porque não divulgam esse fato? Que medo é esse?(…)

Jornalista Mário Rogério

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.