Em 2006 recebi como colaboração para o meu programa de rádio da época, uma carta enviada pelo amigo Diderot Mavignier, que divulgo agora pela proximidade de mais um período eleitoral, onde muita gente está pretendendo se candidatar a prefeito e vereador, achando que ninguém precisa se preparar para nenhuma dessas funções.”Pra ser vereador ou prefeito não precisa ter estudos”, pensam alguns.Nem para presidir o Brasil é necessário estudar, né Lula? Pra ser prefeito, perguntem um desses aí, que governam municípios vizinhos, né não, Kim do Caranguejo?! Vamos à carta, pelo nosso sonho de ganhar 26 mil e 500 reais.O tempo era o de Severino Cavalcante, deputado federal, que chegou à presidência da Câmara dos deputados
e de lá saiu por conta do escândalo do mensalinho, ou seja recebimento de propina.
Brasília (DF) agosto de 2006
Querida Mamãe,
Estou lhe escrevendo esta para contar as novidades de Brasília e as minhas também. Sei que vou lhe causar um grande desgosto.Após tanto sacrifício, tantos estudos e despesas, após passar em dois vestibulares de medicina em primeiro lugar e estar cursando o quarto ano, me preparando para realizar seu sonho de ter um filho médico, estou mandando Hipócrates às favas.
Mas mamãe veja bem se não tenho razão.Sou um cara inteleligente e pobre. Para me formar ainda falta um bom tempo.Aí vem a residência, especialização, estágios e depois um salário miserável em um hospital do SUS. Ninguém merece.
Para ser deputado, mãezinha, não precisa nada disso. Não preciso estudar, pois qualquer semi-analfabeto pode ser. Não preciso trabalhar, pois a vida deles é uma folga só. Não tenho de apresentar aquele bando de atestados chatos :folha corrida, boa conduta, antecedentes criminais, idoneidade moral, reputação ilibada, nada, pois a palavra do deputado é a que vale, mesmo sendo uma mentira deslavada.
E o melhor: vou ter um salário de 12.500 reais (hoje 26.500, aproximados), mais verba de gabinete, auxílio moradia, apartamento de luxo para morar, passagens de avião para ver a senhora toda semana, um gabinete lotado de amigos e eleitores (a senhora vai indicar alguns) e ainda uma boa grana “por fora” na aprovação das matérias de interesse do governo. Não é uma ótima?
Meu velho pai sempre dizia: “Filho, pense sempre no amanhã”, tá lembrada? Pois aí vem outra vatagem: hoje se eu roubar um pedaço de pão para comer vou direto para a cadeia (que foi feita para pobre, preto e puta) e ainda levo bordoada da polícia. Se eu for deputado aí a coisa muda. Posso roubar milhões fraudar, corromper, e ser corrompido e terei sempre foro privilegiado”, que significa que nada vai acontecer comigo. Não é maravilhoso, mãe?
No boteco “Novo Pernambuco” onde tomo minha cachacinha, tinha um velhinho atarrancado, calvo, que frequentava também. Ele sempre em um carro bonito, de terno, tomava umas, contava lorotas e se mandava. Certa ocasião olhou para mim e disse que eu deveria ser político, pois sou muito sabido, muito “ligeiro” e cheio de enrolação. O velhinho sumiu, Disseram que andou enrolado com uma história de cheque e suborno deslavado com um dono de restaurante na Câmara dos Deputados.Não sei o seu nome, mas vou chamá-lo de “São Severino”.
Esta semana fiquei todo orgulhoso dos políticos da minha terra. Vi na televisão um deputado careca, gordinho e super engraçado, daí de Alagoas, dizendo que “roubar é humano”. Esse cara é um gênio, mãe. Se não fosse candidato ia votar nele.
Sim, avisa o pessoal que estou chegando para começar a campanha. Mas não avisa aos antigos amigos não. Vou mudar de turma. Avisa ao “Mão de Luva”, ao “Cheira pó”, ao” Mandrake” ao “Mata Sete”, ao “Gabiru”, pois é com esse pessoal que vou aprender a fazer minha política.Tenho tudo pra ganhar.
Tenho ou não tenho razão de mandar o velho Hipócrates pastar?
Sua bênção mãezinha, quero ser deputado.
Autor: Pedro Oliveira, jornalista e Presidente do Instituto Cidadão