O Piauí retrocedeu, nas últimas eleições, a, pelo menos, 40 anos. A partir da base de apoio montada pelo ex-governador Wellington Dias, a situação elegeu os dois senadores, nove de 10 deputados estaduais e 25 dos 30 deputados estaduais. E depois da eleição, dois dos eleitos pela oposição, usando meias palavras, já bandearam para o bloco governista. Hoje, a bancada governista na Assembléia é maior, proporcionalmente, do que na época da ditadura militar, quando a oposição consentida, abrigada no MDB, elegia três ou quatro deputados estaduais. Naquela época, a oposição não tinha vez nem voz. Os oposiocionistas eram verdadeiros heróis e seus nomes ficaram gravados na memória de muitos que foram seus contemporâneos ou acompanhavam a política por gosto ou obrigação.
Gente como Severo Eulálio, Chico Figueiredo, Elias Prado, Nogueira Filho e outros poucos deixaram um legado de coragem e bravura, destemor e determinação. Todos tiveram vários mandatos e nenhum ficou rico. Ainda vivo, Elias Prado é testemunha dos tempos difícies, como conta numa preciosidade de Deoclécio Dantas, publicada há dois anos, relatando como era a vida dos que ousavam – é esse o termo mesmo – ter a coragem de disputar contra os candidatos oficiais. No interior, coitado de quem se metia a apoiar publicamente a oposição.
Pois bem, o mundo gira , a lusitana roda e chegamos a 1982, quando a ditadura voltou a permitir ao eleitor votar em candidatos a governador. Ali, a oposição havia ganho o reforço de uma ala dissidente da situação, liderada pelo então senador Alberto Silva. Graças a isso, a oposição foi vitaminada e elegeu 10 deputados estaduais. Foi quando surgiram nomes como Tomaz Teixeira e Deoclécio Dantas, que herdaram dos heróis de antanho- alguns deles ainda na ativa, então – o apego à luta e o respeito pelos eleitores. A partir daí governo e oposição seguiram dividindo o parlamento, até a eleição de 2002, quando o sindicalista Wellington Dias foi alçado ao poder. Essa foi a última eleição em que houve pelo menos um resquício de ética e respeito às leis eleitorais.
Depois de um início claudicante, em que teve que fazer reformas sobre reformas, entendeu que não iria longe se não dividisse o poder com as oligarquias rurais, já que, na capital, era bem avaliado. E para garantir o sucesso da empreitada, tratou bem o Tribunal de Justiça , o Ministério Público e o Tribunal de Contas. A imprensa, tal como acontecia na ditadura pela força, foi convencida de que era melhor, muito melhor mesmo, se adaptar aos novos tempos. Com isso, garantiu uma espécie de salvo conduto para o que viria. Mostrou que conhecia profundamente a natureza dessas oligarquias. Fatiou o governo em ilhas, dividindo os recursos públicos entre as lideranças. Deixou os resquícios ideológicos de lado e simplesmente comprou com os recursos do estado o apoio desse povo, que viu ali sua oportunidade.
Sem a fiscalização do Ministério Público nem do Tribunal de Contas, cada um tratou de cuidar de sua vida. Não havia projeto de governo nenhum. Cada um controlavao o seu quinhão com mão de ferro. De repente os jornais passaram a publicar editais de obras às dezenas. Era preciso lavar o dinheiro para transformá-lo em moeda de troca eleitoral e nada melhor que uma construção não fiscalizada. Em 2006, a nova política foi posta em prática e o sucesso total. Reeleito no primeiro turno, levando junto seu candidato ao Senado, Wellington Dias pôde saborear o sucesso de sua estratégia. Esmagou a oposição numa das eleições mais caras da história do Piauí.
Se houve sucesso, nada mais natural que a estratégia fosse mantida e até aprofundada. E ele não mediu esforços. Deixou todos os titulares das pastas à vontade e eles souberam o que e como fazer. Os editais se multiplicaram. O estado virou um grande canteiro de obras,com cada um cuidando de sua parte do orçamento. O caos, visto de fora, era tão grande que até cinco secretarias e outros órgãos se sobrepunham uns aos outros, fazendo a mesma coisa, como a construção de estradas. Ora, vendo que ninguém impunha limites, não apenas os deputados, mas também quem tinha sonhos eleitorais, passou a traçar seus planos para a eleição seguinte.
O governador não incomodou ninguém. Cumprido seu mandato, tratou de garantir o futuro seu e da família e deixou os demais cada um por si. E quem soube usar melhor o quinhão que lhe coube, transformar administração da capitania em capital, pôde escolher o membro da família a quem premiaria com um mandato. O resultado foi o que se viu. Um massacre eleitoral como só se viu no tempo da ditadura. Apesar da oposição ter chegado ao segundo turno, ficou apenas com 10% da Assembléia, 10% da bancada na Câmara e nada no Senado.
Hoje, como se sabe, o estado está falido. Obras paralisadas são contadas às centenas; servidores terceirizados estão sem receber até três meses de salários; outros têm seus salários reduzidos; várias categoriais reivindicam reajustes que não têm como ser concedidos pelo governo; mas nada disso importa. Nenhum dos nobres premiados com as capitanias hereditárias estão sendo importunados. Eles e/ou seus representantes foram empossados e distribuem seu charme entre Brasília e Teresina.
Foi assim que retroagimos a 1970. Única e exclusivamente pela força do dinheiro público. A oposição também deu sua cota de contribuição. Assistiu a tudo passivamente, passando a se manifestar somente no período eleitoral. Esta é a crônica de um desastre, que, lamento, está tendo e ainda vai ter conquências terríveis sobre o estado. Parabéns, Wellington, pelo sucesso. O estado que você deixou com mais de 50% de sua população vivendo em função do bolsa família, agradece (jornalista Mario Rogerio)