De Collor a Dirceu

ELIANE CANTANHÊDE *

 Não
por mera ironia do destino, o processo contra Fernando Collor se
arrasta há duas décadas, ele vem ganhando todas e tem mandato de senador
da República, enquanto dois de seus algozes, José Dirceu e José
Genoino, vão para a cadeia.
Veja como é a
história: Lula já confraternizou com Collor e justificou o impeachment
como mero joguinho político, o efêmero PRN nem existe mais –na prática e
na memória– e o PT vive o suplício de ver dois de seus ícones presos.
O enredo é
novelesco, com a lenta inversão de papéis, o mensalão, o julgamento, até
a coincidência de datas –as prisões saíram no aniversário da
Proclamação da República.
Destaque para
os protagonistas. O réu mais ilustre é José Dirceu, ídolo de uma
geração: líder estudantil, revolucionário de romance, presidente que
conduziu o PT da utopia para o pragmatismo e homem forte do primeiro
governo de esquerda.
A condenação
mais doída é a de José Genoino, o sobrevivente do Araguaia, a voz da
ponderação no PT e uma referência de congressista: leal, hábil e eficaz.
Ambos em
simbiose com banqueiros, empresários, publicitários espertalhões e
líderes de partidos historicamente adversários do PT.
Joaquim
Barbosa, levado por Lula, foi o homem certo na hora certa da história.
Negro e da maioria pobre que lota as cadeias, foi a estrela do
julgamento que impõe penas e prisões para os da minoria rica, até então
impune.
Cada peça e
cada detalhe se encaixam num todo surpreendente. Nenhuma ficção poderia
superar essa realidade, que vira uma página no país e abre outra cheia
de expectativas e também de dúvidas.
Quando o PT
entrou no vácuo do PRN, Dirceu aderiu aos métodos de Collor, a vitória
subiu à cabeça de Lula e os fins –fossem quais fossem– justificaram
todos os meios, tudo poderia acontecer. E aconteceu.
De Collor a Dirceu, uma evolução: só a punição política já não basta. (* Folha de S.Paulo)

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