OPINIÃO: Fazer militância nesse nível chega a apequenar a luta tão válida por mais inclusão e na sociedade atual.
Um dos assuntos mais comentados ao longo desta semana foi o uso da linguagem neutra durante a execução do Hino Nacional brasileiro em um comício do candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (Psol). O episódio polêmico aconteceu no último sábado (24). O presidente Lula (PT) estava no comício.
A cantora Yurungai adaptou a letra, resultando em versos como “verás que es filhes teus não fogem à luta” e “des filhes deste solo és mãe gentil”. A controversa linguagem neutra, também conhecida como linguagem não binária, evita o uso dos gêneros masculino e feminino, tradicionalmente aceitos pela sociedade.
Somente após a repercussão negativa, o candidato Guilherme Boulos apagou das redes sociais dele o vídeo com a versão adaptada do Hino Nacional. No entanto, esse episódio levanta uma série de questionamentos. O principal deles é sobre o que, do ponto de vista prático, o uso deste tipo de linguagem, sobretudo em símbolos e/ou documentos oficiais, vai mudar na vida de quem não se identifica com os gêneros tradicionais.
O processo de aceitação e inclusão é por demais nobre e deve estar muito acima de questões como alteração da linguagem oficial. Fazer militância nesse nível chega a apequenar a luta tão válida por mais inclusão na sociedade. É tolice achar que, para tornar a comunicação mais inclusiva, precisa mexer em pontos como esse. Do ponto de vista político-eleitoral, o caso vai além de tolice e já descamba para a burrice.
Boulos, depois, tentou se esquivar do episódio e até chegou a classificar como “absurda” a alteração da letra do Hino Nacional, negando que a iniciativa tenha partido dele. Contudo, não há como esconder que esse tipo de militância mais “cricri” está diretamente ligada ao segmento político do candidato do Psol. O histórico de Boulos, convenhamos, também não o ajuda a se distanciar do episódio, ainda que tente.
O fato é que quando uma campanha coloca estas questões à frente na disputa, acaba se comprometendo seriamente e dando munição para os adversários, sempre ávidos a desgastar o oponente. Nesse momento de forte polarização política, onde a pauta dos costumes e as questões identitárias estão no foco dos embates, o emprego da linguagem neutra no Hino foi um desastre maior do que naturalmente seria em outros momentos.
Há, ainda, outro ponto nesse episódio do comício de Boulos: o Hino Nacional é considerado um dos quatro símbolos nacionais. Os demais são a Bandeira, o Selo e as Armas Nacionais. Fazer qualquer tipo de alteração nesses símbolos é considerado contravenção, ou seja, uma infração penal com menos gravidade que um crime. Especialistas ouvidos nesta semana pelo jornal O Estado de S. Paulo disseram que a pena pode variar de R$ 4.537 a R$ 18.148. No caso de reincidência, a multa pode ser dobrada, chegando a R$ 36.296.
Independentemente das diversas opiniões, uma coisa é certa: em termos práticos, a versão em linguagem neutra do Hino, além de não ser legalmente permitida, mais prejudica do que contribui para a causa da inclusão. E do ponto de vista político, é uma burrice.(Por:Gustavo Almeida)