- *Pádua Marques
Esse medo todo mundo que foi criança teve um dia. Porque num belo dia, às vezes sem se dar conta e por um descuido de nada, lá vão embora nossos dentes de leite. Aqueles dentes que são a graça pra nossas mães, tias velhas e madrinhas. Aqueles dentes de leite que nos dizem que somos amados e queridos por todos. E já que todo mundo um dia foi criança, assim, perder os dentes de leite é um trauma e tanto.
Minha mãe tinha a paciência que têm as professoras do Roland Jacob. Quando um de nós amolecia e sentia que estava prestes a trocar os dentes de leite, ela chamava pra bem perto e com firmeza nos dedos fura bolo e cata piolho avaliava se haveria de ser ali e agora. Nem adiantava correr e espernear. Era coisa rápida, igual cair de rede.
Antes, corria lá na gaveta da máquina Singer atrás de um pedaço de linha de costura, cercava, laçava o dente e num piscar de olho lá estava ele na sua mão. Nem dava tempo de chorar, espernear, de ouvir o grito. E se chorasse era logo pra engolir o choro e ir lavar a boca com água de sal, que os entendidos chamam hoje de soro fisiológico. Nalgumas vezes nem precisava de linha. Era puxar pra frente e vir com ele entre os dedos.
Todas as crianças passaram ou vão passar por este momento, o de arrancar os dentes de leite. É um trauma que acaba logo. Logo depois a gente está é achando graça, rindo, mostrando pra todo mundo a língua entre os dentes, recebendo apelidos. E no meu tempo havia uma cerimônia, um ritual de jogar o dente em cima da casa e dizer, Sansão, Sansão, pega teu dente podre e me dá o meu são!
Meu irmão Zezinho, lembro como se fosse hoje, perdeu os dentes de leite numa peraltice de minha irmã Conceição e de uma colega, a Zeli, sobrinha do relojoeiro Elias Arruda. Nós fomos passear de bicicleta e ele caiu ali na praça Santo Antonio, próximo onde hoje é o Centro Cívico. Nós voltando pra casa todos desconfiados e minha mãe querendo saber o que havia ocorrido, onde estavam os dentes dele.
Mas tem dessas coisas em perder os dentes de leite. Umas crianças perdem os seus quando caem de árvores, de muros, brinquedos dentre de casa, na rua ou na escola. E esse horror de perder uma parte da gente de início é imenso. Ás vezes dá choro. Outras vezes admiração e depois risadas. O certo é que perder os dentes é uma época de nossas vidas, temos que passar por isso. Sinal de mudanças e de que estamos crescendo.
E este medo de perder os dentes é o medo que nos está dominando a todos os brasileiros neste exato momento importante da vida política com as eleições de domingo. Nossa criança democracia, baseada na Constituição de 1988 está trocando os dentes. Se os dentes políticos que vão nascer no lugar dos de leite serão feios ou bonitos só o tempo e as circunstâncias vão nos dizer. *Pádua Marques é jornalista e escritor. Membro da APAL e do IHGGP.