Por:Antônio de Pádua Marques (*)
Conheço de há muitos anos “seu” Nordeste. Moramos na mesma
rua. Só que ele e os filhos moram defronte a mim, portanto, do outro lado. Ele
teve a sorte ou a infelicidade de ter botado no mundo uma família grande, nove filhos. Nove
filhos. Dê por vista nove filhos entre machos e fêmeas. Mas desde que o conheço
sempre foi vivendo na dificuldade. Certo que com alguns deles teve menos trabalho
até hoje. Mas nunca vi daqui de casa qualquer sinal de desavença. E olhe bem
que tiveram e tem motivos.
rua. Só que ele e os filhos moram defronte a mim, portanto, do outro lado. Ele
teve a sorte ou a infelicidade de ter botado no mundo uma família grande, nove filhos. Nove
filhos. Dê por vista nove filhos entre machos e fêmeas. Mas desde que o conheço
sempre foi vivendo na dificuldade. Certo que com alguns deles teve menos trabalho
até hoje. Mas nunca vi daqui de casa qualquer sinal de desavença. E olhe bem
que tiveram e tem motivos.
Duas fêmeas e sete machos. Bahia, a mais velha, já nasceu
mandando nos outros. No bom sentido, certo. Sempre foi dessa maneira que estou lhe
contando. Bahia? Tá bem de vida que só ela! Assim feito “seu” Nordeste, teve uma
penca de filhos e que já lhe deram netos. E foi tanta gente, mas tanta gente que se
espalhou pelo mundo sendo até difícil de juntar. Artistas, empresários, políticos,
comerciantes, industriais e outras atividades. E artista é o que não falta. Gente que está de
cabelo limpo, tal e qual se falava no meu tempo!
mandando nos outros. No bom sentido, certo. Sempre foi dessa maneira que estou lhe
contando. Bahia? Tá bem de vida que só ela! Assim feito “seu” Nordeste, teve uma
penca de filhos e que já lhe deram netos. E foi tanta gente, mas tanta gente que se
espalhou pelo mundo sendo até difícil de juntar. Artistas, empresários, políticos,
comerciantes, industriais e outras atividades. E artista é o que não falta. Gente que está de
cabelo limpo, tal e qual se falava no meu tempo!
Depois na fila de filhos de “seu” Nordeste vem Sergipe.
Encostado de Bahia. Dizem até que quase foi emendado! Sergipe, esse menino em
tamanho, mas gigante e valente, soube tirar proveito de ser vizinho da irmã
mais velha e hoje está bem de vida. Tem seu sustento em parte do terreno que
adquiriu por herança de frente pro mar. É afoito que nem filho de mascate. Hoje
se sustenta e sustenta muitos filhos, netos do velho Nordeste.
Encostado de Bahia. Dizem até que quase foi emendado! Sergipe, esse menino em
tamanho, mas gigante e valente, soube tirar proveito de ser vizinho da irmã
mais velha e hoje está bem de vida. Tem seu sustento em parte do terreno que
adquiriu por herança de frente pro mar. É afoito que nem filho de mascate. Hoje
se sustenta e sustenta muitos filhos, netos do velho Nordeste.
Alagoas. Talvez um dos mais geniosos filhos de “seu”
Nordeste. Mas que não se entenda a expressão de genioso dada por causa de algum
feito extraordinário, alguma invenção destas tomadas dentro de escola quando se é menino.
Esse genioso de Alagoas é devido à valentia, a força de seus filhos, a destreza de
alguns deles pra ciência e até na política. Sim senhor, até na política!
Nordeste. Mas que não se entenda a expressão de genioso dada por causa de algum
feito extraordinário, alguma invenção destas tomadas dentro de escola quando se é menino.
Esse genioso de Alagoas é devido à valentia, a força de seus filhos, a destreza de
alguns deles pra ciência e até na política. Sim senhor, até na política!
Nunca ouvi dizer que fosse menino de levar desaforo pra
dentro da casa de “seu” Nordeste. Alagoas? Apanhasse na rua, apanhava em casa.
Então foi nessa sentença que criou fama de valente desde menino. Adulto, tem seu ramo de vida e de sustento.
“Seu” Nordeste tem por ele muita afeição. Gosta de ouvir suas
histórias e até seus conselhos.
dentro da casa de “seu” Nordeste. Alagoas? Apanhasse na rua, apanhava em casa.
Então foi nessa sentença que criou fama de valente desde menino. Adulto, tem seu ramo de vida e de sustento.
“Seu” Nordeste tem por ele muita afeição. Gosta de ouvir suas
histórias e até seus conselhos.
Alagoas tem filhos grandes e grandes filhos. Escritores,
juristas, políticos, cantadores de repente e de embolada. Gente que se mete a
discutir ciência até no meio dos grandes lá pelo estrangeiro E tudo isso deixa hoje o velho Nordeste orgulhoso com a mão
no queixo e de boca aberta. Filhos que lhe emprestam satisfação de pai e ao
velho Nordeste, avô, uma nesga de fama: ter dado à sua gente esse tempero de fruta doce do
sertão de sol inclemente e ao mesmo tempo da beira do mar salgado.
juristas, políticos, cantadores de repente e de embolada. Gente que se mete a
discutir ciência até no meio dos grandes lá pelo estrangeiro E tudo isso deixa hoje o velho Nordeste orgulhoso com a mão
no queixo e de boca aberta. Filhos que lhe emprestam satisfação de pai e ao
velho Nordeste, avô, uma nesga de fama: ter dado à sua gente esse tempero de fruta doce do
sertão de sol inclemente e ao mesmo tempo da beira do mar salgado.
Mas vem na lista outro filho de “seu Nordeste que é difícil
esquecer e não dar relevo, um homem chamado de Pernambuco. Comprido que nem ele.
Galalau, como se chamava no meu tempo. Alegre com sua gente da porta do mar e calado
da porteira dos canaviais pra dentro. E igual aos outros filhos do velho
Nordeste. Foi menino valente e hoje, homem feito, seguro naquilo que fala e no que faz.
Tem crescido muito e muito
esquecer e não dar relevo, um homem chamado de Pernambuco. Comprido que nem ele.
Galalau, como se chamava no meu tempo. Alegre com sua gente da porta do mar e calado
da porteira dos canaviais pra dentro. E igual aos outros filhos do velho
Nordeste. Foi menino valente e hoje, homem feito, seguro naquilo que fala e no que faz.
Tem crescido muito e muito
até tem dado aos outros irmãos menos remediados. Tem essa
particularidade. E é esse jeito de ajudar os irmãos de pouca fortuna que deixa “seu”
Nordeste se pabulando na porta de casa. Coisa de dizer que Pernambuco se fosse uma
mulher tinha tudo pra ser uma grande mãe.
particularidade. E é esse jeito de ajudar os irmãos de pouca fortuna que deixa “seu”
Nordeste se pabulando na porta de casa. Coisa de dizer que Pernambuco se fosse uma
mulher tinha tudo pra ser uma grande mãe.
Paraíba. Paraíba é menina e é feito a menina dos olhos de
“seu” Nordeste. Desde pequena foi determinada. Dessas meninas que a gente jura
que nunca vai tomar juízo. Mas crescida, e olhe que eu nem vou encompridar conversa,
soube dar destino aos filhos que achou de ter e de criar. Sabe a Paraíba dar
essa força de opinião a todos aqueles que estão sob sua guarida. E olhe que passou por
maus momentos no passado. Chegou a presenciar brigas e crises entre os seus filhos
dentro de casa!
“seu” Nordeste. Desde pequena foi determinada. Dessas meninas que a gente jura
que nunca vai tomar juízo. Mas crescida, e olhe que eu nem vou encompridar conversa,
soube dar destino aos filhos que achou de ter e de criar. Sabe a Paraíba dar
essa força de opinião a todos aqueles que estão sob sua guarida. E olhe que passou por
maus momentos no passado. Chegou a presenciar brigas e crises entre os seus filhos
dentro de casa!
Aí vem Rio Grande do Norte. Desde menino, e agora homem,
sempre teve boa estatura, sempre silencioso. Mora bem no canto da rua de “seu”
Nordeste. Tem seu ganho de vida. Tem sua história de luta. Tem filhos que lhe
deixam orgulhoso e ao velho avô mais orgulhoso ainda. Eu bem que poderia ficar aqui
desfiando elogios para Rio Grande. Mas sei que ele não pede e nem precisa
disso.
sempre teve boa estatura, sempre silencioso. Mora bem no canto da rua de “seu”
Nordeste. Tem seu ganho de vida. Tem sua história de luta. Tem filhos que lhe
deixam orgulhoso e ao velho avô mais orgulhoso ainda. Eu bem que poderia ficar aqui
desfiando elogios para Rio Grande. Mas sei que ele não pede e nem precisa
disso.
Ceará. Esse é o mais afoito e viajado de todos os filhos de
“seu” Nordeste. Passou por poucas e boas no passado e, certo que alguns de seus
filhos ainda passam por necessidade de vez em quando. Mas Ceará já correu o
mundo inteiro. Conhece do Pólo Norte ao Pólo Sul. Tem fama de bom comerciante e agora deu
para aplicar o dinheiro ganho no turismo. E tem dado certo. O menino está de
cabelo limpo. Mas como é natural e assim como dizia minha santa mãe, os
dedos das mãos não são iguais. E nem poderiam ser. Os dois filhos de “seu” Nordeste
que vivem na maior penúria, Piauí e Maranhão, moram no final da rua. Chamar
aquilo de rua é como se diz, força de expressão. Na verdade tudo aquilo é um imenso
terreno sem tamanho, de tão grande que é.
“seu” Nordeste. Passou por poucas e boas no passado e, certo que alguns de seus
filhos ainda passam por necessidade de vez em quando. Mas Ceará já correu o
mundo inteiro. Conhece do Pólo Norte ao Pólo Sul. Tem fama de bom comerciante e agora deu
para aplicar o dinheiro ganho no turismo. E tem dado certo. O menino está de
cabelo limpo. Mas como é natural e assim como dizia minha santa mãe, os
dedos das mãos não são iguais. E nem poderiam ser. Os dois filhos de “seu” Nordeste
que vivem na maior penúria, Piauí e Maranhão, moram no final da rua. Chamar
aquilo de rua é como se diz, força de expressão. Na verdade tudo aquilo é um imenso
terreno sem tamanho, de tão grande que é.
O primeiro dos dois, Piauí, nunca teve quem lhe desse um dia
de trabalho. Também nunca foi muito de procurar ter uma ocupação. O mais que fez
foi ter se iludido no passado com uns estrangeiros que andaram por aqui. Gente que
tirou dele o pouco que tinha e depois foi embora deixando o pobre mais pobre
ainda. E é desse jeito que vive até hoje o Piauí, filho de “seu” Nordeste.
Praticamente vive de uma aposentadoria arranjada.
de trabalho. Também nunca foi muito de procurar ter uma ocupação. O mais que fez
foi ter se iludido no passado com uns estrangeiros que andaram por aqui. Gente que
tirou dele o pouco que tinha e depois foi embora deixando o pobre mais pobre
ainda. E é desse jeito que vive até hoje o Piauí, filho de “seu” Nordeste.
Praticamente vive de uma aposentadoria arranjada.
Os filhos, ao contrário dos filhos de seus irmãos, pouco ou
nunca se destacaram em nada que fosse. Vive endividado correndo atrás de agiota.
Pobre Piauí, filho de “seu” Nordeste! Tem passado é baixo de uns anos para cá.
Mas não tem a quem culpar pela sina de ser um dos dois mais pobres. Foi de nunca ter tido
muita iniciativa. Sempre andou empurrado. Agora está do jeito que está.
nunca se destacaram em nada que fosse. Vive endividado correndo atrás de agiota.
Pobre Piauí, filho de “seu” Nordeste! Tem passado é baixo de uns anos para cá.
Mas não tem a quem culpar pela sina de ser um dos dois mais pobres. Foi de nunca ter tido
muita iniciativa. Sempre andou empurrado. Agora está do jeito que está.
E por fim vem Maranhão, o último dos filhos de “seu”
Nordeste. Também o último morador da rua. Pouco fez e pouco faz pra sair da
miséria em que vive. Ele e os filhos.
Nordeste. Também o último morador da rua. Pouco fez e pouco faz pra sair da
miséria em que vive. Ele e os filhos.
Dá pra ver pela cara dos filhos, principalmente as crianças.
Dá pra ver todas elas passando todo tipo de necessidade. Os filhos de Maranhão
e netos de “seu” Nordeste não têm escola que preste e nem tem aonde procurar
saúde quando ficam doentes. E o que se vê é esta situação de abandono e de
miséria dentro de uma família tão grande como a desse velho de cabeça branca,
pele enrugada, pés dentro de chinelo de couro cru e vestido com uma camisa de
tecido barato. Velho que nesta altura da vida tem de regatear até água do pote
e de tomar banho porque senão há de fazer falta.
Dá pra ver todas elas passando todo tipo de necessidade. Os filhos de Maranhão
e netos de “seu” Nordeste não têm escola que preste e nem tem aonde procurar
saúde quando ficam doentes. E o que se vê é esta situação de abandono e de
miséria dentro de uma família tão grande como a desse velho de cabeça branca,
pele enrugada, pés dentro de chinelo de couro cru e vestido com uma camisa de
tecido barato. Velho que nesta altura da vida tem de regatear até água do pote
e de tomar banho porque senão há de fazer falta.
Aonde já se viu uma coisa dessas? Em que situação, em que
ponto da vida chegamos?
ponto da vida chegamos?
E numa tarde dessas, me lembro como se fosse hoje, depois de
um dia de sol quente, entre triste e envergonhado, “seu” Nordeste, sentado como de
costume na cadeira de plástico na calçada, rodeado por alguns dos netos e vendo
passar pra missa das seis aquela ruma de velhas desdentadas puxando pela mão uns
meninos magrinhos, disse dos filhos mais sofridos aquilo que um pai nunca deveria e
nem gostaria de falar:
um dia de sol quente, entre triste e envergonhado, “seu” Nordeste, sentado como de
costume na cadeira de plástico na calçada, rodeado por alguns dos netos e vendo
passar pra missa das seis aquela ruma de velhas desdentadas puxando pela mão uns
meninos magrinhos, disse dos filhos mais sofridos aquilo que um pai nunca deveria e
nem gostaria de falar:
– Estes dois últimos não deram pra nada…
(*)Antônio de Pádua Marques é jornalista, produtor da TV Delta
