Por:Fernando Gomes(*)
O fenômeno da compra de votos nas eleições municipais revela o quanto ainda temos um povo servil. A “democracia” nos permite a liberdade de escolha dos nossos representantes. Cabe indagar: Somos livres? O que é mesmo liberdade? A quem nos entregamos depois de conquistar a nossa liberdade? Indagações que levam-nos a ter interpretações diversas sobre o estilo de vida e a própria forma de como estamos organizados socialmente. E, entender como “se faz” política em nosso meio!
“Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta; que não há ninguém que explique e que não há ninguém que não entenda”, definição trabalhada no documentário “Ilha das Flores” (1989), do gaúcho Jorge Furtado, que exprime a situação de sujeição da pessoa ao Poder Estatal, ao mesmo tempo garante o exercício de alguns direitos pelo cidadão.
Vivemos em sociedade. Esta, a rigor, deveria ser composta por indivíduos livres, fraternos e iguais. No entanto, estamos envolvidos por um sistema que separa as pessoas conforme a sua condição social, intelectual e econômica. As diferenças sociais se acentuam em razão da forma como se estabelece e se mantém o poder dominante. Poder este, delegado a partir da escolha(?) da grande maioria.
Essa é a questão: estamos sabendo escolher nossos representantes? A escolha da Representação Política ganha força e contornos que revelam muitas contradições. Étienne de La Boétie, filósofo e humanista francês (1530-1563), com apenas 18 anos de idade escreveu o clássico “Discurso da Servidão Voluntária”, uma obra que continua sendo uma reflexão atual que explica e amplia a nossa consciência a respeito da relação entre o povo e os seus representantes. A luta pela liberdade permanece como o principal destino do ser humano, apesar da existência dos que aceitam uma servidão voluntária.
As eleições municipais revelaram um pouco disso, daí a importância de discutir as colocações de Boétie quando centralizada na necessidade de mostrar que existe a servidão e que ela é consentida. Temos um ciclo vicioso que foi criado a partir da lógica da nossa histórica dominação. Esse “sistema” se afasta da ética e do compromisso com os interesses do bem-estar social. Em cada polo (eleitor-candidato) um parece querer enganar o outro. Os candidatos reclamam que são enganados pelo eleitor, “pedem de tudo e não se tem a garantia do voto”, alguns dizem. Os eleitores reclamam do desempenho do mandato que não atende as demandas sociais. Antes, deveriam pensar na forma como se estabelecem os pactos eleitorais.
O que tivemos na eleição municipal em Parnaíba-PI foi uma farra de compra de votos. Eleitores que não escolheram seus representantes por mérito, preparo e compromisso com as causas coletivas, sobremaneira, por terem recebido alguma vantagem pessoal. Provar isso não é matéria fácil, mas o que dizer de um candidato a vereador que gasta R$ 500 mil na campanha? A Justiça Eleitoral tem se aprimorado, mas ainda não consegue coibir os ilícitos. Um bom momento pode ser agora na prestação de contas, pois muitos candidatos fazem arranjos para enganar a Justiça, distante é a realidade da campanha!
Nesse contexto de corrupção, como exigir dos eleitos compromisso e ética? Quem vende o seu voto pode exigir alguma coisa do eleito?
Boétie comenta em sua obra que até mesmo os representantes, a quem ele chamava de “tiranos”, se espantavam como o povo pode suportar um homem que lhes faz mal; utilizando disfarces religiosos, tomando aspecto de certas divindades e doando-lhes todo tipo de divertimento para se protegerem da má vida que levam. Outro aspecto importante a ressaltar a respeito dos tiranos é que eles não governam sozinhos, mas são acompanhados por uma escória humana.
“Em volta do tirano se reúne as piores pessoas, os ambiciosos e avarentos com a finalidade de participarem dos saques que serão feitos contra o povo. Os que giram em volta do tirano e mendigam seus favores, não se limitam a fazer o que ele diz, têm de pensar o que ele deseja e, muitas vezes, para ele se dar por satisfeito, têm de lhe adivinhar os pensamentos. Não existe condição mais miserável do que viver sem ter nada de seu, sujeitando o seu o corpo e sua vida a outra pessoa”, diz Boétie.
Vivemos uma tirania?! O fundamento da tirania não está assentada sobre exércitos e guardas, mas sim na existência de um pequeno grupo que se associa ao tirano e pode assim usufruir as benesses do poder; abaixo desse pequeno grupo, há outro grupo beneficiado com concessões as mais variadas, desde isenções até dominação sobre outrem.
Sob esse olhar, percorrendo todas as instâncias por onde passa o poder, na forma como se institui e se sustenta, mostra-se que se equiparam na mesma condição servil tanto os que estão subordinados a toda a hierarquia quanto os que se submetem imediata e tão-somente ao representante. “Não pode haver amizade onde está a crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça; entre os maus, quando se juntam, há uma conspiração, não uma companhia; eles não se entreamam, mas se entre temem; não são amigos, mas cúmplices”.
(*) Fernando Gomes, sociólogo, eleitor, cidadão e contribuinte parnaibano.