A Uespi e o Piauí

Mário Rogério
Política

     O caos está estabelecido na Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e de lá não arreda pé. A universidade, que, no seu auge, chegou a oferecer 14 mil vagas  por vestibular, hoje vive um de seus piores momentos. Professores em greve e desmotivados, alunos também desmotivados e vivendo a incerteza da conclusão do curso, infraestrutura de envergonhar até quem não tem vergonha alguma e, para piorar, cursos que o Conselho Estadual de Educação teima em denegar o reconhecimento pela absoluta falta de estrutura mínima para ser ministrado. Isso sem se falar no fato da maioria dos professores não serem efetivos, portanto, menos comprometidos.

          Navegar é preciso e lembrar também. O crescimento exponencial da Uespi se deu no governo Mão Santa, na reitoria do ex-deputado Jônatas Nunes. Ali, a instituição de ensino superior viveu seus dias de glória, com cursos que eram ministrados desde a madrugada (os seqüenciais) até as últimas horas da noite. Ao mesmo tempo, foi lançada uma campanha expansionista que propiciou, através de convênios com as prefeituras, a interiorização do ensino superior. Geograficamente, a Uespi  ultrapassou as fronteiras do Piauí, se estabelecendo nos estados vizinhos. A lógica da época era simples: é melhor qualquer curso que nenhum. A estrutura física utilizada era a das escolas públicas, adaptadas em campi, muito pouco estruturados.
          Bem ou mal, o modelo funcionou. Para ganhar respeito e credibilidade, foi iniciada a luta pela implantação de cursos que trariam mais conceito para a universidade, como o de medicina. Foi uma batalha terrível. Parece que antevendo o verdadeiro boom de faculdades particulares que surgiriam pouco tempo depois no estado, a  elite tomou posição. Contra. A Uespi, contando com o apoio irrestrito do governador, foi para a luta, enfrentando meio mundo –inclusive e de forma vergonhosa, as entidades médicas, numa das páginas mais negras de suas histórias – e, no fim, venceu. Mas como tudo na vida, o tempo passou. E como disse o poeta, havia uma eleição no meio do caminho. No meio do caminho havia uma eleição.
          Das urnas, surgiu o furacão Wellington Dias. Embora apoiado por Mão Santa, que havia sido derrubado pelo supremo um ano antes, ainda na campanha, já dizia a que vinha. Reclamou do gigantismo da instituição – como muita gente, aliás – e assegurou que iria reduzir o seu tamanho e melhorar sua estrutura e a qualidade do ensino. Esse discurso encantou muita gente, até quem enxergava virtudes no gigantismo da instituição. Ganha a eleição, escalou para essa tarefa uma desconhecida militante partidária de Picos, Oneide Rocha, que, de acordo com a nova ordem, iniciou o processo de desmonte. A parte da montagem da estrutura ficou para trás. Depois surgiu aquela que viria consolidar o que estava sendo feito e dar sua contribuição para acabar de vez com o pouco de prestígio e respeito que universidade tinha: Valéria Madeira.
          Quando o governo Wellington Dias terminou, sete anos e quatro meses depois de sua posse, certamente ele teve muito do que se orgulhar em relação à Uespi. Suas promessas de campanha não foram em vão, em parte. Nesse ínterim, a universidade ganhou alguns troféus, como o de instituição pública com o pior curso do país – o de pedagogia, em São Raimundo Nonato- e uma coleção de denegações de reconhecimento de cursos pelo Conselho Estadual de Educação. Quebrada, destruída, acabada. Irreconhecível depois do furacão. Como disse anteriormente, a parte da estrutura e qualidade ficou esquecida pelo tempo. E não foi só isso. Os vestibulares passaram a ter um formato esquisito. Enquanto em todo o Brasil os aprovados nas primeiras colocações eram aqueles que mais estudavam, na Uespi, não. Na nova ordem, o primeiro colocado tinha que ser oriundo de escola pública. Por aí já dava para se ter uma idéia de que o mérito não era muito apreciado naqueles tempos – o que não mudou ainda, apesar da mudança na reitoria.
          E chegamos aos dias atuais sem o mel nem a cabaça. No último vestibular, foram apenas cinco mil vagas para a comunidade – e outras tantas voltadas para segmentos do serviço público. Vejamos esse depoimento: “Faço o curso de História na Uespi. Da minha sala, enxergo a do meu filho, que é estudante de Direito. No meu curso, a maioria dos professores são comprometidos, mas eu estranho que os alunos de Direito passam a  maior parte do tempo fora da sala, jogando baralho. Quando saio pergunto ao meu filho o que está acontecendo. Ele me diz que os professores não apareceram”. Foi dado no programa Mário Rogério Notícias, da RÁDIO DIFUSORA, na última sexta-feira.  Quer outro? Leia: “Não entendo como se forma Jornalista na Uespi. O laboratório não conta a com equipamentos modernos e é muito limitado. Os alunos têm que se conformar com as aulas de sala. Prática, só quando conseguem estágio. E o antes famoso curso de Direito. Este contava com uma senhora biblioteca que fazia inveja aos demais. Pois sumiu. Desapareceu junto com os professores”. Esse é de membro da família mesmo, também estudante da Uespi.
          O fato é que nunca houve tanto descalabro com o ensino superior público. O desastre da Uespi  é o desastre do Piauí. A realidade é que seu fim é o fim também de oportunidades para as famílias de baixa renda. O estado está formando os filhos da elite em modernas e equipadas faculdades particulares, enquanto os filhos do povão penam, especialmente na Uespi, quando muito conseguindo concluir o curso com formação duvidosa. Já se vê em relação a faculdade privada o mesmo que ocorre há muito com as escolas de primeiro e segundo graus: famílias inteiras se cotizando para pagar a faculdade do parente, deixando às vezes até de comer para garantir o futuro do filho.
           A própria greve que ora ocorre não é motivada pelo salário, como normalmente acontece. A luta é por mais verbas e melhores condições de trabalho. Agora, o que eu não consigo entender é o seguinte: se a Uespi chegou a essa situação desesperadora, há culpados. Se antes, com todo aquele gigantismo ela funcionava, porque não funciona agora, bem menor que é? Porque ninguém investiga isso? Que o governador do estado não tome nenhuma providência nesse sentido, eu entendo. Mas onde está o Conselho Estadual de Educação? Só serve para dizer que a Uespi não tem condições de ministrar cursos? E o Ministério Público? Aliás, não custa lembrar: no processo eleitoral que elegeu o atual reitor, Carlos Alberto, o que não faltaram foram denúncias de desvios de recursos. E olhe que ele era o vice da anterior. E, curioso, ninguém se interessou em investigar a veracidade das denúncias. Que coisa. Só torcemos para que tudo mude. O futuro da Uespi é o futuro do Piauí. Para o bem e para o mal.

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.